sexta-feira, 17 de abril de 2009

Visão Eficiente do Mundo Deficiente.





O MUNDO COMO INSTRUMENTO


Voce contribui para a inclusão? Pensa no seu semelhante que não "funciona" adequadamente? Eu achava que da minha parte não havia atitudes de exclusão. Sempre levantei essa bandeira. Mas precisei não "funcionar adequadamente", para entender como é difícil viver num mundo para "perfeitos".
Para não excluir eu preciso ter a capacidade de "sentir como", "pensar como", pois só dessa forma eu posso "ver" as necessidades alheias.
Mas por mais que nos esforcemos, nossa visão ainda é muito limitada. Abrir uma tampa é algo muito simples para mãos e mentes perfeitas. Ninguém pensa nos "outros", que o simples ato de abrir uma tampa  pode ser uma tarefa impossível. Eu mesma só passei a me interessar por embalagens a partir do momento em que elas me impediram de exercer meu direito de abrí-las.
Mas o mundo é feito de "roscas", tudo aperta para um lado e abre para o outro. E se eu não posso rosquear? Voce pensou nisso? Tudo tem tampa: de rosquear, de apertar, de puxar ou rasgar. Tudo tem embalagem. Uma abre de um lado, outra do outro. Uma puxa fita, a outra tem que ser no dente mesmo. Tente abrir uma barra de "diamante negro" só com os indicadores, impossível!!!
Passei por maus bocados brigando com tampas e embalagens, e ainda estou passando. O ser humano, quando privado de certas funções, começa a ver o mundo como instrumento, prolongamento de mãos, de pés ou de corpos. Um simples gancho de pendurar toalhas se torna um eficiente "dedão" para limpar o cantinho do olho ou coçar o rosto. Chaves nas portas servem para coçar a cabeça ou pedacinhos específicos do corpo. Quinas, bem, todos também utilizam as quinas para se coçar, principalmente as costas. Você passa a pensar frenéticamente no intuito de "bolar" formas para fazer coisas. Queria tomar refrigerante, sabe o que fiz? Esquentei um garfo, furei a garrafa e coloquei um canudinho. Alterou um pouco o sabor, mas bebi. Voce passa a olhar cada objeto, cada parte, cada buraquinho de forma diferente. É a criatividade humana, adaptando aquilo que não foi adaptado, dando vida àquilo que parecia não ter utilidade, se reinventando para existir. Daí voce começa a enxergar como é difícil viver aqui, nesse mundo deficiente para os eficientes. Um mundo feito prá quem é Perfeito! Maçanetas sem "design anatômico", intransponíveis! Salgadinhos tipo "chips", incomíveis! E Páscoa sem poder abrir tantos nós, laços e embalagens.
Excluímos quando abrimos nosso portão de garagem invadindo a calçada, um obstáculo para cegos e cadeirantes. Um poste numa calçada, como "um" que temos numa certa rua de nosso município, é a maior bandeira de exclusão que se pode erguer, e aí vai uma lista enorme de obstáculos, de portas intransponíveis, criadas pelo homem para excluir outros homens.
Estar deficiente me proporciona a oportunidade única de estar "do outro lado", de ver como o outro vê e de sentir como o outro sente. Só espero que voce não tenha que aprender como eu estou aprendendo.

2 comentários:

  1. Que todas essas reflexões possam ser absorvidas por seus amigos, pelos leitores desse blog e pelas pessoas que ainda não "estiveram" deficientes.
    Aos que "permanecerão" com as deficiências, que possamos, a partir de agora, estender mais as mãos, os olhos e o coração.
    É isso ai tia! Fico feliz de ver e ter este espaço aberto com as TUAS orientações. Tenho certeza que, pelas suas palavras neste blog, todos os que foram por você assistidos foram muito bem cuidados.
    Obrigada pelo carinho e cuidado com os banquinhos inocentes da vida!!!

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  2. Mariza, quando a minha querida amiga Prim me falou de seu blog, confesso, não acreditei.
    Você é muito especial, pois conseguiu pegar um limão e fazer uma limonada, que nos faz pensar e valorizar cada pedacinho de nosso corpo, cada movimento que fazemos tantas vezes, sem nos importarmos ou valorizarmos.
    Infelizmente até esse momento, não tenho nenhuma dica para dar à você.
    Apenas agradeço a sensibilidade.
    Grata.

    Fábia.

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