domingo, 13 de março de 2011

ENTREVISTA COM MARA GABRILLI (Correio Braziliense - Revista do Correio - "Todos os caminhos abertos")


ENTREVISTA // MARA GABRILLI 

Todos os caminhos abertos 
 
Primeira tetraplégica a eleger-se deputada federal no país, Mara Gabrilli fala da sua luta a favor da inclusão do deficiente físico e das dificuldades que eles ainda encontram no Brasil



A psicóloga e publicitária Mara Gabrilli é a primeira tetraplégica a eleger-se deputada federal no país — conquista que desponta como consequência natural de uma trajetória de militância. O ingresso na vida pública deu-se oficialmente em 1997, quando do lançamento da ONG Projeto Próximo Passo. Mas o fato desencadeador de suas ambições ocorreu três anos antes: o acidente de carro que a paralisou do pescoço aos pés. De lá para cá, coordenou inúmeras iniciativas e assumiu diferentes postos. Foi reconduzida ao cargo de vereadora em 2008 como a mulher mais votada naquele pleito. A chegada ao Congresso Nacional na atual legislatura, pelo PSDB, foi marcada por um protesto incisivo. “Não quero trabalhar em uma Casa incoerente, que aprova leis de acessibilidade que ela mesma não cumpre, me recuso a fazer um discurso do chão, a falar de acessibilidade do chão.” A fala surtiu efeito imediato. O plenário ganhou acesso por elevador e um sistema que contabiliza votos expressados com movimentos de cabeça. Sua bandeira é a de um Brasil acessível para todos — no sentido mais amplo da palavra.

O que a sua eleição pode simbolizar para mulheres e deficientes?
Ter passado por esse estágio de conseguir o elevador, de conseguir um sistema para votar, já demonstra para qualquer pessoa com deficiência no Brasil que ela pode seguir o sonho dela. Acho emblemático, principalmente para tetraplégicos como eu. Na verdade, quem tem que se adaptar é o meio. Os espaços não foram preparados para receber todo tipo de pessoa. É um respeito com o brasileiro a Casa estar se adequando à acessibilidade.

A Câmara está hoje totalmente adequada em termos de acessibilidade?
Ainda faltam alguns itens. Por exemplo, a mesa-diretora: nunca se previu que um cadeirante pudesse compor a mesa. Ainda brigaram comigo, dizendo: “Olha lá, ela quer destruir o painel do Athos Bulcão”. Imagina! Eu sou louca por cultura, nunca faria uma coisa dessas. Só que você tomba uma obra de arte para as pessoas. Não se pode impedir que as pessoas frequentem porque é tombado. Isso é um absurdo. Você vai na Acrópole, em Atenas, — tem alguma coisa mais tombada? — e tem elevador. No Louvre, em Paris, tem elevador. As pirâmides do México têm elevador. Agora, o plenário da Câmara não pode ter porque é tombado.

Em sua atuação parlamentar, qual é o maior desafio: acessibilidade ou burocracia política?
Acessibilidade. É levar a acessibilidade para a burocracia política. Na verdade, eu não estou aqui para questionar a burocracia política, e sim para tentar semear a acessibilidade em tudo. As pessoas com deficiência ficaram muito tempo excluídas do exercício da cidadania por conta da falta de saúde, de escolaridade, de trabalho… Por isso que eu estou aqui, porque até então era difícil alguém que tivesse saúde, preparo e disposição. Agora estão pipocando parlamentares com deficiência por todo o Brasil. Como esses pessoas estavam excluídas, a gente não via. E o que a gente não vê, acha que não existe.

Ser mulher e cadeirante representa o dobro de obstáculos?
Não acho, porque as mulheres estão em alta. Temos até uma presidente mulher. É um ponto a mais.

Como as formações em publicidade e em psicologia influem em sua vida política?
Como vereadora de São Paulo, percebi que as pessoas precisavam ser ouvidas. É bom ter um pouco de virtude para acolher as pessoas e, principalmente, para que você possa desenvolver seu trabalho baseado em fatos. Construí todo o meu mandato em cima daquilo que as pessoas traziam para mim. Por exemplo, hoje eu sou a maior defensora da deficiência auditiva em São Paulo, graças a leis que eu fiz. Acho que ser psicóloga traz um pouco esse lado de querer ouvir, querer entender. E a publicidade, uso no dia a dia. Fui aprendendo no trabalho que não adianta criar programas se você não os divulgar. Não chega na periferia, não chega no público que você quer atingir. E tenho uma cabeça solta no que diz respeito à criatividade, sempre gostei de inventar, por isso fiz o curso.



Qual é a ideia mais equivocada que as pessoas têm do cadeirante?
Varia tanto de pessoa para pessoa. É tão engraçado... Às vezes, estou em um restaurante e o garçom grita, ou então pergunta para a minha assistente o que eu vou comer. Aí eu respondo, digo que vou comer carne. E ele pergunta pra assistente: “Bem ou mal passada?”. As pessoas generalizam, não entendem o que está acontecendo e têm medo de aprofundar um pouco o pensamento. Não tem uma pessoa que não me estenda a mão, principalmente homem. Aí eu fico pensando em como não deixar essa pessoa sem graça, porque ela não vai nem dormir à noite. Então tenho que dar uma volta, dizendo que só dou beijo. Eu acho normal. Não venho com uma bula na testa que diz “braço não, sorriso sim, pode perguntar que eu respondo”. Tem que se aventurar.

E suas propostas, são todas voltadas a portadores de deficiência?
É impossível se voltar só para esse assunto, mas é meu foco principal. É interessante porque te prepara para ser gestor de qualquer coisa. Para falar de pessoa com deficiência, você tem que entender de educação de ponta a ponta, de saúde, de trabalho, de transporte, de assistência social. Tem que entender de tudo, porque esse não é um assunto em si — ele perpassa todos os setores. E tem um final muito feliz. Se você melhora uma cidade para quem tem deficiência, você melhorou para todo mundo. Se você consegue fazer uma escola que receba qualquer tipo de pessoa, e seu filho está lá e estuda com uma criança que tem Síndrome de Down, estuda com outra que é cega, é o seu filho que vai ampliar a concepção de mundo. O mundo vai ser muito mais bacana.

E em Brasília, que tal a acessibilidade?
Eu tenho ouvido reclamações. Mas eu não posso falar, porque não fui a muitos lugares. Posso falar da estrutura do governo. Nos ministérios, por exemplo, muita gente tem problemas de acessibilidade. Não tem um elevador para levar cadeirantes à tribuna do Senado. Hoje o Oscar Niemeyer, que está usando cadeira de rodas, não iria conseguir visitar nenhum dos seus monumentos. Não existe acessibilidade como disciplina obrigatória em nenhuma faculdade de engenharia ou de arquitetura.

A Copa do Mundo de 2014 representa uma oportunidade para renovar essa estrutura?
A gente espera que sim. Acho que é uma ótima oportunidade para discutir. Inclusive discutir um assunto diferente: por que não fazer Olimpíadas e Paraolimpíadas juntas? Existe estrutura física para isso, está tudo montado, é uma questão de modalidade, de agenda. Eu acho possível. Os aeroportos são um problema enorme. Eu sou calma, doce, compreensiva, mas tenho que brigar todo dia no aeroporto.

Qual é o carro-chefe do Instituto Mara Gabrilli?
Temos um que é muito bacana, que nasceu por causa da favela de Ilhópolis, que tem 130 mil habitantes. Uma amiga minha, que é fotógrafa, fez um livro sobre a comunidade. Ela passou uns oito meses lá, fotografando, e eu perguntei: “Poxa, você achou muita gente lá com deficiência?”. Ela me respondeu: “Ninguém”. Ela não viu porque as pessoas não conseguiam sair do barraco, ficavam escondidas em casa. Criei um projeto chamado Cadê você?. Fazemos multirões para ir às comunidades procurar pessoas com deficiência que não conseguem sair de casa e, por isso, não têm acesso a serviços. Montamos uma equipe multidisciplinar: fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, assistente social, psicólogo, fonoaudiólogo, dentista, otorrinologista e oftalmologista. E tudo patrocinado. De que adianta achar uma criança com paralisia cerebral que precisa de uma cadeira, inscrever ela no SUS, se ela terá de esperar cinco anos dentro de casa até a cadeira chegar?

Por que você resolveu ser deputada?
Porque me falta um parafuso! (risos) Eu era vereadora de São Paulo e chegou uma hora que tudo esbarrava em questões federais. Várias transformações que fiz na cidade de São Paulo eu queria fazer no resto do Brasil. Mas eu nunca tinha pensado em ser política antes do meu acidente.

Qual é seu maior sonho como política?
Ah, que as pessoas tenham oportunidade. Eu acho que eu tive e consegui ver a diferença que faz na vida de uma pessoa. Eu nem me lembro que eu não me mexo. E, teoricamente, essa é uma deficiência gravíssima. Não faz a mínima diferença na minha vida. Quanto mais você melhora os recursos, dá ferramenta para as pessoas, adapta os espaços, menor a deficiência. Se você tira tudo isso, a pessoa fica ali, subtraída do exercício da cidadania.


Veja entrevista original em:
Correio Braziliense - Revista do Correio - Todos os caminhos abertos
Publicação: 04/03/2011 15:49 Atualização: 06/03/2011 08:48


Um comentário:

  1. vc é pesso de Deus sofreu um acidente mais vem se doano au povo seja feliz querida fassa Deus estar te usano abs!!

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